Um Ótimo Lugar ao Sol
Área mais valorizada do Lago Sul, a Península dos Ministros abriga boa parte dos milionários da capital, mas ainda reserva espaço para gente menos famosa
A nobre porção de terra e sua localização privilegiada: banhada pelo Paranoá, é a única quadra com guarita na entrada (Foto: Bento Viana) |
Quem chega à QL 12, no Lago Sul, tem a impressão de estar num condomínio fechado. Uma guarita, a única em cabeça de quadra residencial de Brasília, controla, mas não impede, o fluxo dos visitantes. Seguranças fazem ronda 24 horas por dia. São doze homens que se revezam em um carro e duas motos — como apenas uma via dá acesso à área, o controle não é difícil. A localização dessa quase ilha habitacional de luxo, ao contrário do que ocorre com espaços similares em outras grandes cidades, não poderia ser melhor. Fica a dez minutos da Esplanada dos Ministérios e do aeroporto, mas sem o incômodo barulho de avião. No fim da rua, o quintal coletivo dá o fecho de
ouro: um idílico parque ecológico de 24 hectares, com 5 quilômetros de ciclovia à beira do lago e um bosque de pinheiros.
Todos esses atributos renderam um status especial ao pedaço de terra mais conhecido como Península dos Ministros — o nome vem dos moradores de casas funcionais destinadas ao alto escalão do governo federal. Nos últimos anos, o boom imobiliário fez disparar os preços em toda a capital, mas nenhuma outra área teve valorização igual à da QL 12. Enquanto nas quadras vizinhas é possível adquirir um terreno de 800 metros quadrados com 400 de área verde por 2,2 milhões de reais, na 12 o mais barato não custa menos que 4,5 milhões. Especula-se que o mais caro chegue a 30 milhões. Mas nenhum dos dois tipos está à venda.
A península constitui um mercado imobiliário bem atípico. Trata-se do único lugar em Brasília onde o terreno vale mais do que o imóvel. Recentemente, a casa de representação da Fiat foi adquirida por 11 milhões de reais. Depois de concluir o negócio, o comprador simplesmente demoliu a área construída para refazê-la a seu gosto. Esse é um exemplo corriqueiro no local. Corretores contam que clientes esperam anos para realizar o sonho da casa própria na QL 12. Além da localização e da segurança privilegiadas, para alguns a vizinhança é também um grande atrativo. “A península virou sinal de status. Um novo-rico que quer se destacar na sociedade acha que precisa morar lá”, diz o corretor imobiliário Paulo Baeta. “Qualquer coisa na península vale 50% a mais.”
Os moradores da famosa quadra, em sua maioria empresários, advogados e médicos, são figurinhas fáceis nos jornais. Costumam transitar entre as páginas políticas, sociais e até policiais do noticiário. Wagner Canhedo, Nenê Constantino e Luiz Estevão entram nesse rol. Clãs inteiros como o dos Baracat, donos do Pátio Brasil Shopping, dos Sullivan, da Super Adega, e dos Bittar, do ramo da hotelaria, possuem verdadeiros feudos.
A QL 12 também figura como ponto ideal para endereços de representação, nome pomposo para as casas de lobby, de bancos (Safra), construtoras (Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez) e montadoras (Mercedes-Benz). Na seleta lista de endereços ainda aparecem a casa do arcebispo de Brasília, atualmente ocupada por dom Sergio da Rocha, e escritórios de advocacia. “Escolhemos pela privacidade. Temos estacionamento para trinta carros dentro do terreno e nosso cliente não é exposto. Fora que essa paisagem resolve um terço dos problemas”, afirma um conhecido advogado da capital.
Geraldo Aguiar de Vasconcelos é o morador mais antigo e também o principal corretor de imóveis da península. Mudou-se para lá em 1974. Morava de aluguel e garantia que suas filhas eram as mais bonitas da rua — afinal, só havia a casa dele naquela época. Em 1981, comprou por 7 500 cruzeiros o terreno onde ainda mora. Em valores atualizados, esse montante corresponde a 1 200 reais. Hoje, o proprietário avalia sua casa em 12 milhões.
Marcela, Denise e Daniela Reis, moradoras de terreno em frente ao parque ecológico: tranquilidade nos dias úteis e muita gente nos fins de semana (Foto: Michael Melo)
Até o fim do regime militar, a QL 12 era pouco valorizada. Existia o temor de que os terrenos fossem desapropriados pelo governo, dono da maioria deles. A primeira alta nesse mercado se deu em 1985, com a redemocratização. Cinco anos depois, no governo de Fernando Collor de Mello, houve mais um significativo aumento de preços na área com a venda de trinta casas da União. O Banco Safra comprou onze delas. E Vasconcelos montou uma engenharia financeira: formou um grupo de pessoas que tinham economias confiscadas e comprou outras dez. Na ocasião, era permitido que os ativos congelados fossem resgatados para a aquisição desses imóveis. Hoje, ainda restam na quadra dezoito residências funcionais.
No mercado imobiliário há 31 anos, Vasconcelos explica como se dá a corretagem de luxo. Das casas que estão à venda, poucas são divulgadas. Algumas nem passam pelas secretárias da imobiliária. Os clientes ligam para o celular dele e mandam e-mail para a sua conta pessoal. Cinco dos oito corretores de sua empresa, especializada em imóveis de altíssimo padrão, fazem parte da família. Bem relacionados, os Aguiar de Vasconcelos viajam para os mesmos lugares, comem nos mesmos restaurantes e
frequentam as mesmas festas que seus clientes. “Um ministro do Supremo quis assinar o contrato sem ler. Disse que confiava em minha filha, que tinha sido aluna dele na UnB”, conta o corretor.
Mariza, Cláudia, Marcella, Leonardo e o patriarca Geraldo Aguiar de Vasconcelos: família de corretores de luxo (Foto: Joédson Alves)
A discrição é tamanha que Vasconcelos já fechou negócio entre irmãos. “Poderia ter ficado com a comissão, mas, nesse caso, avisei”, lembra. Ele garante que tudo é feito às escuras por questão de elegância e privacidade, não de ilegalidade. “Você chama o Vasconcelos para jantar e ele acaba vendendo a sua casa. É um perigo. Eu já disse a ele que só saio daqui para o crematório”, garante o empresário Francisco Morato. Assim como ele, muitos moradores antigos, que compraram terrenos a preços baixos, não os vendem nem pelas melhores ofertas.
Em 2000, quando o engenheiro Luiz André Reis se mudou para lá com a mulher e três filhos, a área livre, criada em 1986 pelo então governador José Aparecido de Oliveira como forma de facilitar o acesso ao lago, não passava de um imenso matagal. Nenhum dos 48 postes de luz funcionava. A CEB se recusava a trocar as lâmpadas. “Eles me diziam que não valia a pena. Em dois dias estaria tudo escuro de novo”, conta Reis.
Valéria Leão Bittar: festeira, a empresária não se incomoda com os ônibus que chegam aos sábados e domingos (Foto: Michael Melo)
Alegando questões de segurança, os moradores usaram correntes com cadeado para impedir a entrada de desconhecidos na polêmica área verde em 2003. Na ocasião, o Ministério Público determinou que eles não podiam fechar o acesso a um espaço público. O meio-termo foi a instalação de uma guarita sem cancela e a criação do Parque Ecológico, mais restritivo do que outros similares (veja regras no quadro da pág. 29). “Buscamos o equilíbrio entre direitos e deveres de moradores e visitantes. Eu tenho direito ao meu sono”, diz Reis. Atualmente, o parque fecha às 21 horas.
Apesar de ser pouco conhecida do grande público da capital, a área verde lota aos sábados e domingos. Sem estacionamento, os carros param em toda a via pública, dificultando o deslocamento de moradores. Reis se queixa da falta de fiscalização. Afirma que já viu ali pessoas assando porco no rolete. Muitos moradores passam por cenas mais constrangedoras, como deparar com uma senhora com as calças arriadas na porta de casa, pois o parque não tem banheiro. Alguns dos entrevistados chegaram a
pedir à revista que não publicasse esta reportagem, temendo que mais pessoas passem a frequentar a quadra.
A decoradora de festas Valéria Leão Bittar mora à beira do lago. Dona de uma das casas mais animadas da península, ela garante não se incomodar com a presença do povo. “Adoro gente, movimento. Como em todo lugar público, tem quem curta e quem estrague o parque. Já desligaram a minha luz e minha rua fica sem vaga, mas não vejo problema”, comenta. Apesar de não aproveitar a ciclovia por pura preguiça, Valéria considera a QL 12 o melhor canto da cidade e já está na fila para comprar lá as casas de suas três filhas de 24, 16 e 15 anos.
O empresário Luiz Estevão, condenado a pelo menos 31 anos de prisão pelo superfaturamento das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, tem seis terrenos na península. Nenhum está à venda. Ele prefere morar na QI 5, numa chácara com 11 000 metros quadrados. Mas seu escritório jurídico, onde trabalha com afinco para protelar o dia de sua prisão, funciona na QL 12. “Estou adorando trabalhar em contato com a natureza, ouvindo pássaros e vendo saguis e tucanos”, diz.
Em outra propriedade de Estevão na península já moraram Aureliano Chaves, vice do presidente João Figueiredo (1979-1985), e o primeiro embaixador de Cuba no Brasil, Jorge Bolaños Suarez. Lula frequentava seus churrascos e Fidel Castro foi hóspede por uma noite. Marcos Coimbra, cunhado e ministro-chefe da Casa Civil de Collor, também residiu lá. Havia no terreno um heliponto que Collor mandou construir. Vez por outra, ele despachava na residência de Coimbra para não ser incomodado.
Alguns desses endereços seduziram estrangeiros a ponto de terem ganhado status internacional e se transformado em territórios de Paquistão, Moçambique e Irlanda, cujas embaixadas ficam dentro da península. Outros países fixaram na vizinhança sua residência diplomática, como Kuwait, Omã e China. “Foi uma ótima surpresa chegar aqui. É um ambiente de trabalho muito agradável”, afirma Janice McGann, chefe de missão adjunta da embaixada da Irlanda e praticante de caminhadas na orla da QL 12 duas vezes por semana. Se a península há muito deixou de ser só dos ministros, é possível garantir que sua fama já correu o mundo.
Democracia no tapete verde.Reserva natural atrai ensaios fotográficos, esportistas, banhistas e piqueniques em família.
Eliane Sena: o bosque de pinheiros em frente ao lago é um dos pontos preferidos das noivas (Foto: Leo França)
Cerca de 1 000 pessoas frequentam os 24 hectares de área verde pública da Península dos Ministros todos os sábados e domingos. Noivas, grávidas, debutantes e casais de namorados elegem a beleza do parque da QL 12 como pano de fundo dos álbuns de fotografia. O mesmo cenário é dividido com a turma esportista, os praticantes de kitesurf, ciclismo, corrida, caminhadas, vela, canoagem e patinação. Encontros entre donos de cachorros e banhos nas águas do lago são outras atividades que engrossam a frequência nos fins de semana, quando ônibus chegam de cidades-satélites para aproveitar a área de lazer. Confira abaixo as principais regras do Parque Ecológico.
Fonte: Veja Brasília - 14/11/2013http://vejabrasil.abril.com.br/brasilia/materia/um-otimo-lugar-ao-sol-1067
Nenhum comentário:
Postar um comentário